O tempo de luto

Depois da morte de alguém (ou algo) a quem nos sentimos (profundamente) vinculados, passamos por um período necessário para a consciencialização da perda – o luto – que é uma resposta (biológica, psicológica e social) esperada a essa perda.
No entanto, não é só a morte que leva a um processo de luto, podendo este ser causado por outro tipo de perdas, nomeadamente:
• a perda de uma pessoa amada, em consequência de morte, separação física, separação conjugal ou conduta julgada não ética ou imoral;
• a perda de alguém sobre quem se tinha desenvolvido uma grande fantasia de afeto (e.g., um feto abortado, ou um filho que nasceu com deficiência física ou mental);
• a perda resultante de um dano efetuado ao amor-próprio (e.g., amputação de um membro, ablação de um seio ou paraplegia como consequência de um acidente);
• a perda de posição social (e.g., desqualificação moral ou financeira, desemprego ou despromoção);
• a perda de objetos e animais com elevado valor afetivo (e.g., uma joia de família).
Quaisquer que sejam as causas que originem o luto, existe sempre um denominador comum a todas elas: a elevada importância afetiva que atribuímos à perda.
Para compreendermos o luto devemos ter em conta, por isso, que ao longo da nossa vida, nos apegamos aos outros, estabelecemos com eles laços de segurança e vínculos afetivos que se rompem definitivamente aquando da sua perda. A impossibilidade de estar com o outro e de usufruir deste encontro exige uma reelaboração e restruturação desses vínculos, para que a dor e a tristeza experimentadas se vão de alguma forma dissipando ao longo do tempo.
Os afetos estão no centro da nossa vida e são um dos pilares da nossa personalidade. De forma inconsciente, procuramos dá-los e recebê-los e esta troca tem um grande significado para nós. Quando perdemos o alvo do nosso amor, todo o processo de vinculação e todas as emoções em relação ao ente são-nos roubados, porque ele simplesmente desapareceu.
Todo o processo de luto será profundamente desgastante e limitará a nossa disponibilidade mesmo para as tarefas mais rotineiras. O processo que se situa entre a perda e a reabilitação para a vida, ou seja, o trabalho de luto, exige um período de demora: é o chamado tempo de luto.
A sua duração varia de pessoa para pessoa: pode durar meses, anos ou até mesmo toda uma vida. É necessário que todas as tristezas sejam choradas, todas as dores curadas e todos os vínculos reassumidos, para que possamos recuperar a paz de espírito que nos deixará seguir em frente.
O luto é a nossa prova de amor pela pessoa perdida. Não existe a superação da perda sem alguma experiência de luto. Não ser capaz de vivenciá-la é ser incapaz de viver novamente.
Durante um luto normal é vivido um conjunto de sentimentos e emoções e são tidos comportamentos particulares, cujos traços mais marcantes incluem o desânimo penoso, a falta de alento para a vida, o desinteresse completo pelo mundo exterior, a perda da capacidade para amar e a dificuldade no desenvolvimento de atividades do dia-a-dia. A caracterização de um luto normal será o tema da nossa próxima reflexão.